15 mars 2017

ACTU : O Tribunal de Justiça da União Europeia determina que o uso de véu islâmico pode ser proibido no local de trabalho

Catherine MAIA

Em dois acórdãos proferidos em 14 de março de 2017, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu, no âmbito de um reenvio prejudicial dos Tribunais de Cassação respetivamente francês e belga, sobre a interpretação da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional.

Afirmou que a vontade de uma empresa de projetar uma imagem neutra é legítima, permitindo que as regras internas proíbam símbolos políticos, filosóficos ou religiosos. Assim sendo, uma regra interna de uma empresa que proíbe o uso visível de quaisquer sinais políticos, filosóficos ou religiosos não constitui uma discriminação direta, autorizando empresas a proibir funcionários de usar símbolos religiosos, nomeadamente o véu islâmico.

O caso foi levado ao TJ depois de duas melhures muçulmanas terem sido demitidas por se terem recusado a retirar o véu durante o horário de trabalho. Uma delas, residente em França, opôs-se a fazê-lo depois de um cliente se ter mostrado incomodado. A outra situação dizia respeito a uma que trabalhava como rececionista na empresa G4S Secure Solutions, que proíbe o uso de símbolos religiosos ou políticos.

  • Acórdão no processo C-188/15 Bougnaoui e Association de défense des droits de l’homme (ADDH) / Micropole Univers
  • Acórdão no processo C-157/15 Achbita, Centrum voor Gelijkheid van kansen en voor racismebestrijding / G4S Secure Solutions 



ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

Bougnaoui e Association de défense des droits de l’homme (ADDH) / Micropole Univers,

14 de março de 2017, C-188/15

Quanto à questão prejudicial
25   Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que a vontade de um empregador de ter em conta os desejos de um cliente de que as prestações de serviços do referido empregador deixem de ser asseguradas por uma trabalhadora que usa um lenço islâmico constitui um requisito profissional essencial e determinante na aceção dessa disposição.
26     Em primeiro lugar, há que recordar que, nos termos do artigo 1.° da referida diretiva, esta tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.
27    Quanto ao conceito de «religião», que figura no artigo 1.° dessa diretiva, deve salientar‑se que essa diretiva não define o referido conceito.
28    Não obstante, o legislador da União referiu‑se, no considerando 1 da Diretiva 2000/78, aos direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), que prevê, no seu artigo 9.°, que qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, implicando este direito a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
29  No mesmo considerando, o legislador da União referiu‑se igualmente às tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito da União. Ora, entre os direitos que resultam dessas tradições comuns e que foram reafirmados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), figura o direito à liberdade de consciência e de religião consagrado no artigo 10.°, n.° 1, da Carta. Em conformidade com esta disposição, este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou coletivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. Conforme resulta das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), o direito garantido no artigo 10.°, n.° 1, da mesma corresponde ao direito garantido no artigo 9.° da CEDH e, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 3, da Carta, tem o mesmo sentido e o mesmo âmbito que aquele.
30   Na medida em que a CEDH e, consequentemente, a Carta atribuem uma aceção ampla ao conceito de «religião», dado que incluem neste conceito a liberdade das pessoas de manifestarem a sua religião, há que considerar que o legislador da União pretendeu manter a mesma abordagem quando da adoção da Diretiva 2000/78, pelo que há que interpretar o conceito de «religião» que figura no artigo 1.° dessa diretiva no sentido de que abrange quer o forum internum, isto é, o facto de ter convicções, quer o forum externum, ou seja, a manifestação em público da fé religiosa.
31     Em segundo lugar, há que observar que a decisão de reenvio não permite saber se a questão do órgão jurisdicional de reenvio se baseia na constatação de uma diferença de tratamento diretamente fundada na religião ou nas convicções ou na diferença de tratamento indiretamente fundada nesses critérios.
32    A este respeito, se o despedimento de A. Bougnaoui se baseou no desrespeito de uma regra interna em vigor nessa empresa, que proibia o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas, e caso se afigure que essa regra aparentemente neutra implica, de facto, uma desvantagem concreta para as pessoas que seguem determinadas religiões ou convicções, como A. Bougnaoui, o que cabe a esse órgão jurisdicional verificar, deve concluir‑se que existe uma diferença de tratamento indiretamente fundada na religião ou nas convicções, na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 (v., neste sentido, acórdão proferido hoje, G4S Secure Solutions, C‑157/15, n.os 30 e 34).
33     Todavia, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), dessa diretiva, essa diferença de tratamento não constituirá uma discriminação indireta se for objetivamente justificada por um objetivo legítimo, como a implementação, pela Micropole, de uma política de neutralidade relativamente aos seus clientes, e se os meios para a realização desse objetivo forem adequados e necessários (v., neste sentido, acórdão proferido hoje, G4S Secure Solutions, C‑157/15, n.os 35 a 43).
34     Em contrapartida, caso o despedimento de A. Bougnaoui não se baseie na existência de uma regra interna como a referida no n.° 32 do presente acórdão, cumpre apreciar, como sugerido pela questão do órgão jurisdicional de reenvio, se a vontade de um empregador de ter em conta o desejo de um cliente de que as prestações deixem de ser asseguradas por uma trabalhadora que, como A. Bougnaoui, foi destacada por esse empregador junto desse cliente e que usa um lenço islâmico constitui um requisito profissional essencial e determinante na aceção do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78.
35     A este respeito, segundo os termos dessa disposição, os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos mencionados no artigo 1.° da referida diretiva não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.
36    Assim, cabe aos Estados‑Membros prever, se necessário, que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com um dos motivos referidos no artigo 1.° da mesma diretiva não constitui uma discriminação. Parece ser o que sucede no caso em apreço, por força do artigo L. 1133‑1 do Código do Trabalho, o que, contudo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
37     Uma vez feitas estas precisões, importa recordar que o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que resulta do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 que não é o motivo em que se baseia a diferença de tratamento, mas uma característica relacionada com esse motivo, que deve constituir um requisito profissional essencial e determinante (v. acórdãos de 12 de janeiro de 2010, Wolf, C‑229/08, EU:C:2010:3, n.° 35; de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.° 66; de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.° 36; e de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.° 33).
38    Por outro lado, há que salientar que, em conformidade com o considerando 23 da Diretiva 2000/78, só em circunstâncias muito limitadas uma característica relacionada, designadamente, com a religião pode constituir um requisito profissional essencial e determinante.
39     Importa também sublinhar que, nos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78, a característica em causa só pode constituir um requisito desse tipo «em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução».
40     Resulta destas diferentes indicações que o conceito de «requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade», na aceção da referida disposição, remete para uma exigência objetivamente ditada pela natureza ou pelas condições de exercício da atividade profissional em causa. Em contrapartida, não pode abranger considerações subjetivas, como a vontade do empregador de ter em conta os desejos concretos do cliente.
41     Por conseguinte, há que responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que a vontade de um empregador de ter em conta os desejos de um cliente de que as prestações de serviços do referido empregador deixem de ser asseguradas por uma trabalhadora que usa um lenço islâmico não pode ser considerada um requisito profissional essencial e determinante na aceção dessa disposição.




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